CAPÍTULO 1 - SORTE
Fui concebida em fevereiro. Nasci em novembro. Demorei para agradecer, ou melhor, entender o rápido encontro dos meus pais no carnaval de 97.
A histórias deles é muito engraçada, como se imaginam serem as histórias dos carnavais dos anos 90. Meu pai conta que foi amor à primeira vista. Minha mãe estava fazendo uma aposta com as amigas. Como ela conta: "Éramos três e aquele era nosso primeiro carnaval. Sem saber como funcionava, achamos que deveríamos ir fantasiadas. Cada uma escolheu a fantasia da outra e, por conseguinte, seu desafio. Eu fui bem legal na fantasia que escolhi para sua tia Mara. Falei para ir de mulher-maravilha, sabe? Bem linda, toda forte em sua morenice e tudo mais. Mas quem me sorteou foi a sua tia Marcela e você sabe como ela pode ser brincalhona. A danada me fez ir vestida de joaninha. Vê se pode coisa dessa... Nada mais brega do que se vestir de joaninha! Porém, combinado é combinado. E para o carnaval fui eu com asinhas, antenas e bolinhas por todo corpo. Ah, e meu desafio? Beijar um moço moreno e sair correndo. Filha, eu tinha 18 anos e nunca tinha beijado na vida! Minha mana sabia como entrar na minha cabeça porque eu sempre cumpria com meus prometidos." Era aí onde meu pai interrompia e continuava a história: "Enquanto isso, Lalau, eu me preparava para ir para pro Carnaval Da Sorte com meus amigos da faculdade. Eu sabia que seria épico porque todos os meus carnavais haviam sido inesquecíveis. Já te contei daquele de 94 quando o (algum cantor daora da época) me chamou no palco para cantar com ele? Nossa, foi fera! Arrebentei a boca do bolão. Mas, nada se compara com de 97. Olha, filha, se você quer saber, eu nem estava muito no clima para festejar. Havia acabado de sair de um namoro de dois anos e estava bem deprê. Os mino só me convenceram quando combinaram de pagar minha passagem até lá. Eu não morava mais em SJC(mudar), mas a gente ia para lá nesse carnaval porque os (banda) iam tocar. Botei uma bermuda e minha camiseta da Fila, meu colarzinho, um tênis e fui. --------
Estava indo atrás de uma loira quando uma joaninha pousou no meu ombro, no meio daquela bagunça. Você sabe como acredito em sorte, né? Ela é considerada como portadora de boas venturas em vários países, mas principalmente através da Europa. Na Rússia e Sérvia, por exemplo, se uma joaninha pousa em você, isso é considerado uma coisa boa. Antes delas saírem voando novamente, você deve fazer um pedido. Foi o que pedi: pedi pra joaninha que aquele carnaval durasse para sempre. Com a cara e coragem, estava indo atrás da loira. Ela estava de costas, tão linda com asinhas e anteninhas. Porém, quando cheguei dançando para mais perto dela, a loira estava de barba. E não era barba falsa, era um homem mesmo. Fiquei chateado. Fui sentar um pouco no "rodapé" da calçada sentar e pensar na vida. O carnaval não parecia tão mágico como antes, mesmo com a minha banda preferida tocando e tudo mais. Quando me dei conta, tinha uma moça do meu lado tampando os ouvidos. Ela estava com a cabeça abaixada e achei que estivesse passando mal. Fiquei um tempo meio que esperando ela destampar os ouvidos e me perceber. Não quis dar uma de herói nem nada, mas fiquei realmente preocupado. Quando a moça percebeu que eu estava encarando ela, saiu correndo igual uma hiena foge da onça. Eu estava um verdadeiro espanta mulheres naquele dia. A "festa" foi acabando
(deixaram isso escrito em uma carta para mim quando fizesse 18??) - animais que atraem sorte
gírias anos 90 http://www.autobahn.com.br/lembrancas/girias.html; ver escolas de samba ou invento meu tipo de carnaval baseando-me na etimologia da palavra
Foi em uma cidadezinha do interior de São Paulo, daquelas onde os parlamento das tias reinava e definia o destino Me sentia indesejada por isso, não e preciso ser um expert em matemática para fazer as contas. É claro que fui uma gravidez não planejada. Mas a verdade é que nunca tive muita oportunidade de conversar com meus pais sobre isso. Eles faleceram num trágico acidente de carro no dia em que completei 10 anos de idade.
Estávamos a caminho da praia para passar o final de semana no meu lugar preferido: a praia de Itamambuca. Meus pais e eu adorávamos fazer esse tipo de viagem de carro, por mais longe que fosse. Costumávamos parar na estrada para comer pamonha e cocada branca. Ás vezes acampávamos também, então no porta-malas sempre tinha barraca, vara de pescar, colchonete, (coisas de acampamento). Meu pai era imprevisível e eu amava isso nele. Se no meio do caminho tinha um pesqueiro, a gente parava para pescar. Se tinha uma reserva ecológica, lá íamos explorar. De vez em quando repetíamos os destinos, mas como meu pai dizia "nenhuma jornada faz sentido se existe apenas um destino, filha". E minha mãe completava "e o melhor destino é onde estamos porque qualquer momento pode ser o último". Eles sempre completavam as frases um do outro e, de alguma forma sempre fazia sentido. Uma vez minha mãe estávamos passando por uma loja chamada Maravilhas do Lar e minha mãe disse que "nosso lar é é o mais maravilhoso de todas as maravilhas", "pois as verdadeiras maravilhas são aquelas já conhecidas", terminou meu pai. E minha mãe olhava para ele com tanta ternura que parecia transcender por alguns minutos para um universo onde existia apenas os dois. Eu amava o quanto eles se amavam e eu amava que eles fossem meus pais.
O carro também vivia cheio cheio de livros, e se ele pudesse falar, seria o carro mais intelectual do mundo. Minha mãe devorava os livros como quem devora um pedaço de pão após 40 dias sem comer. Aprendi com ela o hábito de ler escrevendo; fazendo notas, sabe? De grifar partes que chamavam a atenção e questionar algumas afirmações escrevendo "será?" no canto da página.
Era um ensolarado dia de verão no feriado do meu aniversário: proclamação da república. A República é uma estrutura política de Estado ou forma de governo em que, segundo Cícero, são necessárias três condições fundamentais para caracterizá-la: um número razoável de pessoas; uma comunidade de interesses e de fins; e um consenso do direito. Meu pai brincava que éramos nossa própria república porque ele, minha mãe eu éramos as condições fundamentais para se caracterizar como tal e que, por isso, o presidente decidiu criar o feriado no dia do meu nascimento, uma vez que para o presidente, minha vida era motivo de festa. Sendo assim, todo dia 15 de novembro meu pai me fazia proclamar algo. Quando eu tinha 1 ano, proclamei: "Cáca!". Meus imaginaram que havia feito cocô na fralda, mas verdade é que eu estava falando, pela primeira vez, meu primo, Lucas. Foi assim que nasceu o apelido do meu primo Caca. (Lucas).
O Lucas nasceu alguns meses depois de mim, mas sempre me viu como se eu tivesse uns três ou quatro anos a mais que ele. Se eu começava a colecionar sapos, ele também colecionava. Se eu decidisse que um dia seria astronauta, ele seria o primeiro a dizer que iria para a lua comigo. Se eu entrava em uma caixa de papelão, ele já se colocava como co-piloto. Ele era mais um irmão do que um primo e sempre foi meu confidente. Se me esqueço de alguma memória de infância, ele é quem me lembra. Nas vezes em que esqueci quem era, foi ele quem me ajudou a lembrar de mim.
15 de novembro de 2004: meu aniversário de sete anos! Sete, o número da sorte, da perfeição, das cores do arco-íris. Acordei com um barulho de porta batendo. Cheiro de chá de erva cidreira vindo da cozinha. Levantei num pulo para procurar meus pais. A chaleira chiava forte e parecia ter simplesmente sido esquecida ali. Desliguei o fogão, como aprendi que o fogo não de desliga sozinho e subi as escadas. A cama dos meus pais estava bagunçada, algo fora do comum. O guarda-roupa estava entre-aberto, haviam alguns calçados jogados e havia uma mala cheia de roupa em cima. Achei que iríamos viajar.
Não me senti desesperada, achei que aquilo apenas fazia parte de mais uma surpresa de aniversário, então, fui arrumar minhas malas também. Peguei um caderno, algumas canetinhas...
Havia, tempos e tempos atrás, uma menininha que caiu e ralou o joelho. Chorou, chorou, chorou. Seu choro ganhou atenção, então a menininha de chorar, parou. Cresceu e aprendeu a desistir antes de alcançar. Chorava por isso e o choro ganhava atenção, então a menina de chorar parava. Ficou claro para seus pares, exceto para ela, que seu choro era apenas por atenção. Chorar era gostoso, sofrer era de graça. Para chorar, nenhuma conta chegava e nem sempre ela precisava de uma razão para chorar. Cada vez ela ia encontrando novos colos para chorar e reclamar da vida. Por ser vítima de sua própria personagem chorosa, aprendeu que chorar era seu lugar lugar no mundo. Se enganaram as pessoas que a nomearam de Sr.ta. Lágrimas de Crocodila. Ou melhor, acertaram em cheio, pois a moça se tornou atriz de emoções tristes. Era intensa na vida real e profissional, mas dizia que "a intensidade não se passa de um advérbio." Ela ouviu vozes da ciência dizendo que sua condição era colorida, que suas emoções eram instrumentos de uma orquestra regida pelo caos. A moça achou a frase linda. Ela achava lindas as frases mais estranhas aos olhos do público. Uma vez chegou a dizer que "um cérebro cru que parece um monte de bundinhas é tão complicado e perfeitinho, tão simples e defeituoso. Até eu seria zumbi para comer um desses". Foi criticada. Não chorou pelas críticas, muito menos se importou com isso.
Júlio, um ácido analista de atrizes como a moça das lágrimas, comentou com a esposa:
- Quem vê, pensa, né...
"Júlio, ninguém está vendo nada, muito menos pensando em alguma coisa!", respondeu a esposa, que era cega e se achava uma ninguém. A esposa de Júlio tinha mesmo era inveja da moça das lágrimas, pois tudo que ela gostaria de fazer era chorar dia e noite.
Seu nome era Gardênia. Pura, doce e verdadeira era a mulher. Verdadeira com todos, menos com ela mesma, pois tinha medo. O medo é ferramenta para mentir. Não contava para ninguém o quão era infeliz com Júlio, que cuidava bem dela, mas poderia cuidar demais, cuidar por medo, cuidar por egoísmo. Seu aparente cuidado sufocava a doce Gardênia e, para não parecer ingrata, não chorava.
As lágrimas da senhorita Chorosa eram tão intensas e reais que ela duvidava do que falavam de ela construir sua carreira por atenção.
Gardênia tinha um irmão chamado Caio. Médico. Porém, ao contrário do que se poderia imaginar, ele não cuidava da irmã, por assim dizer, porque ela era independente. Ficava apreensivo por ver sua irmã mais cega no casamento do que nos olhos. Dizia: querida irmã, as vozes da ciência podem ajudar. Conheço o psiquiatra José Eduardo Constantino. A irmã já ouvira falar do tal psiquiatra. Era um abusador. Ela tinha medo de psiquiatra da psiquiatria no geral por conta disso. Era contraditório para Gardênia querer amar o irmão como seu marido por ser o único homem que sabia lidar com ela. O homem com quem dividia a cama agia como seu médico e do homem da ciência tinha medo. Uma pena Gardênia ser tão simples a ponto de ter medo de toda a ciência por conta do psiquiatra de São Paulo.
Não contou para Caio de José Eduardo Constantino porque eram colegas de faculdade. A senhora não era de falar dos homens maus, dos homens do saco. Ela falava apenas de mulheres que considerava boas. Era um muro ela mesma, pois dessa forma não falava sempre o que queria e vivia estagnada na incerteza de fundo, não saber realmente sobre quem falar.
O nome da moça das lágrimas finalmente foi revelado: Vitória de Cristo da Silva. Seu pai queria que ela fosse vitoriosa como ele não foi. Também queria que ela fosse de Cristo, por isso inventou de a nomear assim, o que pouco adiantou pois Vitória não acreditava em nada senão em si mesma.
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"Prezado H. Escrevo-te ainda de minha cama. Sinto-me de ressaca. Não por excesso de álcool, mas de toda confusão que foi a noite passada. Nem mesmo sei como vim parar aqui, porém tal fato não chega a me assombrar nem um pouco diante do susto que foi ser chamada de Prima por Acaso. São tantas as minhas dúvidas que meu corpo mal responde aos movimentos que necessito para me levantar. Aguardo ainda sua próxima carta. Houvera mesmo você encontrado mais alguma investigação sobre Acaso da Silva? Peço-lhe que me responda com urgência, sinto-me em perigo".
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"Querida amiga. Sinto muito pelo ocorrido. Estive embrenhado em meus poemas, mas saiba que não deixei de fazer minhas pesquisas. Procure por Vitória de Cristo da Silva na cidade de Porto Ao Léu.
Não se esqueça de que a felicidade ainda está nos dedões do pé. Com carinho, H".
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Depois dessa última, curta e direta carta, fiquei um tanto curiosa. Apesar da minha intoxicação alimentar, descoberta após a certeza de que não eu não estava grávida, o que de foi o alívio do mês, senti uma repentina energia. Vitória de Cristo? A grande dama da dramaturgia brasileira? O que ela tem a haver com.. qualquer coisa senão seus filmes e novelas? Uma vida oculta? Uma história escondida? Uma família secreta nas Filiprimas? Lavagem de dinheiro?
Sendo eu jornalista, fui fazer minhas pesquisas. Comecei por sua árvore genealógica. Seu pai se chama Paulo da Cunha e sua mãe, Mirdes da Cunha. Um infortúnio seu pai haver falecido há cinco anos. Mesmo assim, algo parecia errado. Começando pelo fato de Vitória não ter Silva no nome e, eu sei que no mundo do teatro os atores têm a liberdade de criar seus nomes artísticos, mas geralmente eles criam sobrenomes mais "marcantes", por assim dizer. Isso não me desanima, pelo contrário: onde há perguntas não respondidas, há um história a ser descoberta.
Li mais artigos em blogues de cultura, comentários e teorias em algumas comunidades de fãs on-line, comprei sua auto-biografia e, enquanto espero o livro chegar, decidi assistir tudo o que Vitória de Cristo da Silva já performou. Confesso que o único filme dela que assisti foi "Suco de Barata", do diretor Timóteo Bernardes. Eu era criança na época em que assisti ao filme e, dele, não lembro muito, apenas de ter pesadelos com figuras fantasmagóricas depois.
Não garanto que minhas memórias de filmes, livros e novelas façam alguma diferença na minha interpretação dos fatos, mas é inegável que nossas experiências moldam como interpretamos o mundo ao nosso redor - e isso inclui fatos. A verdade é que aprendi no curso de jornalismo que o jornalista nunca é imparcial. Seja nas pautas que cobre, na nossa escolha de uma palavra sobre a escolha de outra. Ser imparcial é impossível. Apenas quem não existe é imparcial e, se eu existo, sou tão parcial como você e sua interpretação do que escrevo.
Posso dizer: os túneis da Imigrantes têm uma média de 350 metros, o que é problema para quem está tentando conversar com alguém no telefone, mas também poderia escolher dizer: Na Imigrantes, os túneis são cinzas, uma cor que permite aos motoristas uma noção maior de seu tamanho. As duas frases são fatos, mas se foco na parte do telefone, posso estar fazendo referência à falta de conexão de sinal telefônico na Imigrantes num geral, o que é uma realidade - ou posso focar na parte positiva dos túneis: segurança para os motoristas, o que importa mais quando se está dirigindo. A interpretação está nas linhas, não nas entrelinhas.
Eu sofro, vô... Eu sofro muito...
Então não sofra - respondeu ele com calma
Aquelas palavras me explodiram meu coração de fúria. "Sofrimento não é superficial, que conselho barato, se é que posso chamar isso de conselho", pensei.
- Vô! Quantos anos você que eu tenho, cinco? Que vou aceitar qualquer baboseira como se fosse real? Que o dia da proclamação da república foi nomeado por causa de mim?
- Não, querida. Por que diz isso?
- Porque não dá para simplesmente não sofrer! Como é injusta, simples... ridícula essa resposta! - falei indignada
-Lauren, olhe no fundo dos meus olhos e entenda isso: você não sabe.
-Não sei que meus pais morreram quando eu tinha 10 anos e fiquei sem chão? Não sei o quanto isso me custou? Não sei o que a Camila fez pelas minhas costas? Que me demiti pela terceira vez de um trabalho decente com apenas 23 anos? Pelo terceiro burnout? Não sei o quanto devo para o banco? Não sei a quantidade de lágrimas que me escorrem todas as malditas noites por sentir saudades do Lucas? Não sei o que é luto? Não sei o que é ser desamparada pela família? O que eu não sei, vô, o que diabos eu não sei?!
- Lauren. Para de agir como uma criança e me ouça como alguém que realmente tem algo a dizer! Você não sabe exatamente pelo que sofre.
- Há. Novo senso de humor? Terrível esse, hein. Essa, sem sombra de dúvida foi sua pior piada. De verdade. Não, vô, aparentemente não sei exatamente pelo que sofro. Toda razão é sua, pra varias. - Falei com toda ironia que conseguia expressar - e que achei bem pouca.
- Não, Lauren, você não sabe! Você não sabe de nada! - gritou ele.
Meu corpo paralisou por três segundos. Meu avô nunca havia gritado comigo. Mas meu nervos pulsavam, me senti saindo do controle, eu queria socar aquele velho babaca.
- O que diabos eu não sei?! Cacete, vô! Velho gagá! Inferno!
Ele não respondeu. Deu um passo para trás. Respirou fundo. Cruzou o braço direito enquanto apoiava o queixo na mão esquerda. Bufou levemente e olhou para uma árvore atrás de mim. Como aquele tipo de reação me irritava. Toda vez eu parecia estar errada por estar sofrendo, toda vez a culpa pela o que acontecia comigo era minha. Sempre eu, eu era sempre o problema.
Finalmente, depois de longos 40 segundos...
- Filha. Eu sei que o que você está pensando agora e sei pelo que você tem passado, mas não posso te dar todas as respostas agora, só posso.. dizer, admitir, declarar: você não sabe.
- É mesmo? Do que eu não sei?
Às três da tarde o telefone do escritório começou a tocar. Um pouco desajeitado e com certa reserva, meu avô assumiu, ou tentou, pelo menos:
- Lauren, eu...
E como a desgraça daquele telefone tocando incomodava. (o sinar do telefone?)
- Lauren...
Expectativa, desespero, medo, raiva, tudo de uma vez. Eu só queria alguma resposta que fizesse sentido.
- Lauren, olhe no fundo dos meus olhos...
O telefone tocou pela quarta vez.
Bufei de novo.
- Vô, eu não...
Me interrompendo, ele disse:
- Preciso atender o telefone, Lauren. Com licença.
Inconformada como quem está na fila do banco e deixa de ser atendida porque o expediente acabou, fui bufando para a cozinha.
Fique quase meia hora esperando, mas não dava mais. Falar de tudo aquilo me esgotava. Tomei o resto de café da xícara esquecida em cima da mesa da cozinha e escrevi um recado: "Sr. Horácio. Você falou, falou, mas não disse nada, então conclui que, em vez me responder, seja mais fácil para o senhor, me corresponder. Logo, me escreva uma carta. Aqui está meu endereço. Considere este recado como minha piada em resposta a sua, de brincar de família comigo. Eu cansei da sua enrolação".
Eu não precisava deixar meu endereço anotado, afinal, ele sabia onde eu morava. Meu avô me mandava mosquitinhos (a flor) religiosamente todo dia três de cada mês, a cada três meses. Acho que por isso fiquei tão frustrada com ele. Sendo a pessoa mais próxima de mim, porque não me ajudava de forma mais objetiva? Porque não me dava logo uma solução para meus problemas? Porque me permitia sentir culpada por existir?
Peguei o carro e fui embora.
(fim do capítulo)
"I Still Haven't Found What I'm Looking For" - U2
Depois da discussão, meu avô e eu ficamos sem nos falar por meses. Sem ligações, sem visitas, sem flores. Eu me importava com ele, claro. Eu amava ele, amo ele. Contudo, minha sensação de rejeição era maior e isso acabou se tornando em orgulho.
Cada mês que passava, me sentia mais no fundo do poço. Não que eu tenha saído em algum momento, sei lá. Era como se o próprio poço fosse meu lugar. Meu avô era uma das poucas pessoas com quem eu realmente podia contar. As outras estavam em outros países, outros fuso horários; em outras. A realidade é que eu nem tenho muita noção do tempo que se passou. Voltei a beber depois de um ano sóbria e, é como dizem: quando uma pessoa volta a um vício é sempre pior. Quase toda noite eu estava em algum bar jogando sinuca. Eu era boa, ganhava todas. "Aprendi com o melhor", eu costumava dizer, mas ninguém precisava saber que eu estava me referindo ao meu avô, muito menos o quanto eu sentia falta dele.
Quando a gente se acostuma com o fundo do poço, ele se torna um lugar extremamente confortável. Chega uma hora que você nem quer sair. Primeiro porque você sente que não tem como e, depois de aceitar isso, você percebe as condições sólidas do poço, ou melhor, os princípios do poço: foda-se o mundo porque eu estou fodida. Então você começa a aceitar qualquer migalha de contato humano. Vai para a praia e transa com gringos achando que aquela é a experiência que você quer contar para seus netos. Vai a festas com estranhos acordando no dia seguinte em outra cidade e acha isso um máximo porque parece tão interessante não saber o que aconteceu. Qualquer merda você nomeia como "aventura". Ah, quanto me aventurei no poço. Mas, claro, o poço tem suas despesas também. São elas: dívidas, vícios e culpa.
(descrever depressão melhor)
Às 3h da manhã meu telefone começou a tocar. Antes mesmo de raciocinar, só desliguei e voltei a dormir. Por volta das 11h acordei. "Mais um dia, menos um dia", pensei. Olhei para o lado para ver se o Caio ainda estava lá e estava, como todas as outras vezes, dormindo igual uma pedra. O Caio havia se tornado meu amigo do poço. "Amigo". A gente ficava toda semana e ele dormia em casa direto. Eu já deixava uma cartela de dipirona e umas de Eno pra gente tomar quando acordasse e ele ir pro trabalho de meio período dele e eu o meu. Devia ser por volta das 10h. Apalpei a escrivaninha do lado da cama para puxar minha meus remédios quando me dei conta que a dipirona havia acabado. Enfiei a cabeça de volta no travesseiro e murmurei abafada "aaaaaaaaaaaaaa, merda de dipirona". Levantei a cabeça de novo, sentei na cama, fiz um carinho na nuca do Caio e fui pegar suco de laranja na geladeira. Voltei pro quarto e a pedra ainda estava dormindo. Eu morria de inveja daquele sono pesado.
Fazia muito tempo que eu não dormia uma noite completa. Se tornou hábito acordar de madrugada, remoer minhas dores, fumar um baseado e romantizar o caos escrevendo ensaios bucólicos. Porém, naquela madrugada a única coisa que me acordou foi a ligação das 3h.
Peguei meu celular para pedir dipirona pelo iFood e conferir o horário. Eu estava trabalhando como freelancer de marketing e precisava atualizar meu chefe 12h do progresso dos roteiros. Cocei a orelha com curiosidade para ver que ligação eu havia perdido e era de um número desconhecido. Por hábito, achei que era de alguma companhia telefônica, então bloqueei o chamador. De repente, meu celular começa a tocar de novo, mas dessa vez era o Lucas. Atendi antes mesmo de o toque terminar.
- Ginooooooo! - Gitei de alegria. (O que acordou o Caio).
- Oi, prima - respondeu o Lucas.
- Oxi, hahaha, que sério. Tá tudo bem?
- Sim, Lau.. quer dizer, mais ou menos...
- Eita, o que aconte- Caio começou a grunhir- peraí.
Fui para a cozinha.
- Foi mal, o sinal tá ruim no meu quarto. E aí, o aconteceu?
- É o vô, Gina.
- Como assim o vô?
Só ouvia a respiração do meu primo por telefone. Repeti:
- Lucas, o que tem o vô?
- Nossa, Lauren, eu estou processando ainda...
- Meu deus, Lucas, processando o quê?!
- Lauren, eu vou ser direto, mas não surta, tá? O vô está no hospital.
- Como assim o vô está no hospital? Espera. O vô? Nosso vô? Horácio? Hospital?
- Calma, Lauren, tá tudo bem é que
- Tá tudo bem, tá mais menos, o vô tá no hospital, me explica Lucas!
- O vô está com um tumor, Lau. Linfoma.
(acaba capítulo)
- descobre câncer, começam cartas, começa história.
Avô era o pai mas fez um acordo com os pais adotivos porque queria que eu tivesse pais mais jovens.
Final: eu te perdôo, pai. Eu sei que (alguma frase de one three hill da sexta temporada ep. 6 ou 7)
E no final das contas, perdôo a Vitta, Deilson, Acaso. Acima de tudo, percebi que só posso oferecer este perdão porque aprendi a perdoar a mim mesma por tudo que fiz. Eu não sabia, eu realmente não sabia.
Não que seja preciso sofrer para entender que um sofrimento pelo que não se sabe da vida seja necessário. Mas aconteceu comigo e hoje entendo que isso aconteceu com você também. Você não sabia. Eu sou tão errada como você, afinal, a humanidade inteira está errada e em algum momento eu vou escrever um livro para que todos entendam que aceitar o não saber é a resposta mais barata, clichê e verdadeira para para de sofrer.
"O universo é mudança, a vida é opinião.", disse Marcos Aurélio uma vez. Essa realidade, apesar de discutida amplamente em fóruns e podcasts, palestras financiadas por empresas (quem financia o Ted Talks? É uma agenda?) ainda não é senso comum.
Tudo está em constante estado de mudança. Deilson não. Só porque ele estava presente em todas as rodadas, não quer dizer que ele mudava de opinião sobre o que deveria ser feito a respeito de cada um. Ele sempre quis que todos
- o uso correto das ocorrências alheias
Impermanência. - Conceito estóico.
Quem controla não importa, mas sim como interpreto tudo isso.
- falar de Lauren e sua história paralelamente.
Lauren nasceu em 97, (como fazer o leitor se importar?) - relação forte com o o avô a levou a questionar sobre o destino e a vida e dá início a jornada. Cartas no início são de seu avô, que estava internado no hospital, fazendo uma dieta que o deixava com a mente mais clara e durante as cartas, vai revelando segredos sobre os pais biológicos de Lauren (que morreram num trágico acidente), porque para ela, saber sobre seus pais a faria se entender melhor. Avô era piadista e tinha muitas histórias da vida dele. O câncer foi inesperado uma vez que ele levava um estilo de vida saudável, mas foi descoberto ser genético, algo que Lauren apenas descobriria na última carta, junto com a verdadeira história sobre seus pais, carta que Lauren nunca leu porque ela a recebeu após saber da morte avô e ela não queria dizer aceitar que aquela carta seria seu adeus. Anos passam, Lauren dá voltas algumas voltas na sua auto-descoberta. Num dia decide ler a última carta do avô e descobre que ainda havia outras guardadas. Sua jornada em entender o Acaso termina porque no final ela percebe que nada ela poderia fazer sobre isso, afinal, tudo o que ela tinha era o poder de escolher como viver. Surpreendentemente, (um anjo) vai atrás dela para a consolar e contar histórias sobre ela mesma.
Um bêbado
(ver biografia Fernanda Montenegro e de Wiona Rider).
Apenas (outros: primos, primatas, deuses gregos, Buda, etc)
Meu nome: Miller.
As Gêmeas: quem são os pais?
Questionamento de Gardênia, Silva ou Laura para final:
Enquanto isso eu tento aprender a me desligar e seguir meus desejos de criança. Quando a gente tem menos idade, acha que há tempo demais e aí faz tudo de de qualquer jeito.... mas apenas quando perdemos tempo nos damos conta do quão preciosa é cada decisão. Viemos andando até aqui. Se correremos, há tempo de recuperar alguma coisa?
Significa protegido pelas deusas Horas. Seu jeito metódico e discreto esconde uma personalidade inteligente e versátil.
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“Lutar com palavras”, escreveu Drummond, “é a luta mais vã. Entanto lutamos mal chega a manhã”. O poeta sabia das coisas. As palavras, “as vezes, são enganosas.
Íamos para lá todos os anos com meus tios e tias, primos e avós. Éramos uma família muito unida e sem muitos segredos.