Eis um texto apelativo sem apelos.
Este
ano, Ronaldo Fenômeno completou 40 anos de idade, fez 20 anos desde a morte
dos Mamonas Assassinas e 21 anos de Malhação. Michael Jackson virou estrelinha
há sete anos e Zequinha, o mais novo dos três irmãos em Castelo Rá Tim Bum, fez
31 anos de idade. Para fechar, o interminável agosto terminou e esse mês também
está quase no fim. São estes fatos e o especial de Natal do Roberto Carlos na Globo
que nos sensibilizam com a questão da passagem de tempo.
Mesmo
sabendo que se deve viver um dia por vez, tornou-se comum chegar ao fim do dia com
sentimento de frustração por não ter concluído os mil afazeres erroneamente
previstos. Acabamos por questionar a nossa capacidade de produção e ainda nos
damos o direito de perguntar o porquê de um dia ter apenas 24 horas. “Se eu
tivesse 30 horas, com certeza conseguiria terminar esse projeto e até descansaria
mais”. Essa semana seus amigos saíram e
você não foi por não ter tempo. Você também não conseguiu ler todos os doze
livros que havia planejado no final do ano passado. Sabe aquela meta de correr
todos os dias? Também não foi cumprida. Essa é a lamentável realidade de que,
em termos de perda de tempo, a situação pode sempre piorar. Porque perdemos
tempo o tempo todo. Porém, as propostas que se seguirão neste texto nada têm a
ver com carpe diem e carpe noctem.
Antes de tudo, é preciso ter consciência de que ninguém está
livre da preocupação com o tempo, uma vez que esse problema, por assim dizer, está
presente no ser humano desde a sua criação. Por isso é confortante saber que
vários filósofos nos pouparam tempo (e dores de cabeça; talvez algum descontentamento
também) por já haverem concluído o que provavelmente passaríamos uma vida inteira
para possivelmente concluir.
Entra Santo Agostinho com o seu livro XI de Confissões. “O
que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser
explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei.” Portanto,
somente entendemos o tempo antes de pensarmos nele. Essa afirmação não é
nenhuma resposta, mas esclarece a limitação do ser humano em entender a
temporalidade. Não tendo a capacidade de entender o tempo, estamos sujeitos a
ele. O fato de o ser humano não possuir domínio sobre a passagem de cada
segundo não quer dizer que ele não possa decidir o que fazer neles.
Uma
vez colocado o tempo no seu devido lugar, são levantados questionamentos sobre
como empregá-lo. Entra Henri Bergson. Para ele, parte da resposta está na
atividade filosófica, assim como na arte, afinal, ela nos força a pensar e a
buscar soluções conceituais criativas. Fazer isso, para o filósofo francês, é
um ato de libertação da ditadura do tempo. Buscar soluções conceituais
criativas, pensar em causas e consequências. Tá aí uma das formas de se
encontrar no mundo e ser um presente para ele. Como encontrar essas soluções?
Basta passar tempo refletindo que você encontrará. Caso você não encontre nas
suas reflexões, procure em algum livro. Talvez esteja num daqueles que você
planejou ler no início do ano e não conseguiu.
Como
animal racional, faz parte do nosso dever enquanto seres humanos agir como tais.
Para isso, é inexoravelmente necessário compreender os conceitos básicos da
vida e atribuir prioridades à existência, afinal, o próprio sentido dela está
nos atos de compreensão e atribuição. Entendido que as nossas prioridades são
determinadas pelo tempo que dedicamos a elas, compreenderemos que a perda de
tempo está logicamente na inversão dessas prioridades. Em outras palavras, o
que define o tempo é o que você faz nele. Tempo gasto com certo tipo de estudo,
indica a importância e relevância que você dá a ele.
Este
texto termina sem apelo. Não posso provar se é verdade tudo o que escrevi assim
como não posso provar se é verdade tudo o que Agostinho e Bergson escreveram.
Bem, o mês está acabando e o verão está chegando. Depois virão outros outonos e
outros invernos, outros anos e novos tempos. Quem sabe até lá você não descubra
se estas palavras são reais ou se a preocupação com tempo não passa, enfim, de
uma grande perda de tempo...
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